
A par com a publicação de poesia, o final dos anos oitenta foi fértil em acções de escrita. Crítica literária no jornal "Letras e Letras", editado no Porto por Joaquim de Matos, recensão literária no "Semanário", colaboração regular com poesia e prosa na revista literária "Património XXI", dirigida pelo escritor e saudoso amigo Orlando Neves.
1987 é o ano do aparecimento de um novo livro de poemas, "Memória(s), com capa da pintora Emília Matos e Silva e prefácio do escritor Mário Cláudio.
Do Prefácio
"Tem João Mattos e Silva, portanto, em suas mãos, o direito de ser, contra rabiscos vários dos jograis em comandita, poeta verdadeiro e discretamente maior. Confrontado com o seu enigma, na pátria e no texto o ancorou, finalmente decidida, uma vez eliminadas as rasuras e os borrões do discurso que a nós todos pré-existe, a identidade que lhe cabe...
...Solitária, mas insubmissa, se reconhece esta pena, ao termo da jornada empreendida. Nenhuma das frustrações a condenaria, entretanto, à resignação, pois pois que de muito para além do que é a energia lhe cresce. Consciente, como as do fundo da sabedoria, de que 'além de nós um outro/ surge em cada esquina de luz desvirtuada', perguntará 'porque morre um poeta?'. Grita-lhe-ão, em resposta, que por algo que se desvendou, mas que ninguém conhece, para sempre sepultado no entendimento do silêncio, uma vez o limite ultrapassado de a si próprio explicar". Mário Cláudio
Espelhos
Como num espelho da imagem
retrocesso. Imagem não do tempo
mas no tempo. O outro lado
o seu reverso apenas o avesso.
No polido do aço o fio do aço
a imagem polida e frio o espelho.
De Ariana o fio
Ser de Ariana o fio e em labirintos
de mistério esquecer como Teseu
vencido o Minotauro da razão.
Ser de Dionísio aquele amor sereno
por Ariana só e desprezada.
De Teseu a vitória sem traição.
De outros mitos construir a glória
e apenas nas distâncias da memória
ser o fio de Ariana e a paixão.
Fala de Mulei Moluc
Senhor de outros reinos que não deste
teus sonhos nas areias apodrece.
Estás morto. Perdido o império incerto.
Senhor destes reinos vencedor
a vitória me dói e queima. E o deserto.
O esquecimento de mim só não virá
por memória de ti que és encoberto.
Lamento de hoje
Este estar vivo assim é que me mata:
não mais por mar além ou terra fora
naufragado na Costa não da Mina
mas desta pátria triste que só chora
e não descobre outro destino ou sina
terras de Prestes João ou Rio da Prata.
Quinto Império
Por onde nas florestas desbravadas
ou em oceanos índicos pacíficos
sulcados de remotas aventuras
e de sonhos é que perdido andei?
Corpo - espaço de sonho recoberto
por índias e brasís me dispersei.
Novos mundos ao mundo foram dados.
E agora aonde irei?
Com palavras farei um outro império
maior e mais constante
que o amor na palavra nos congraça.
Por elas nos cumprimos nas praias
do Restelo ou de Mombaça.
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