sexta-feira, 11 de abril de 2008

Mais um passo no percurso poético - Memória(s)


A par com a publicação de poesia, o final dos anos oitenta foi fértil em acções de escrita. Crítica literária no jornal "Letras e Letras", editado no Porto por Joaquim de Matos, recensão literária no "Semanário", colaboração regular com poesia e prosa na revista literária "Património XXI", dirigida pelo escritor e saudoso amigo Orlando Neves.

1987 é o ano do aparecimento de um novo livro de poemas, "Memória(s), com capa da pintora Emília Matos e Silva e prefácio do escritor Mário Cláudio.



Do Prefácio



"Tem João Mattos e Silva, portanto, em suas mãos, o direito de ser, contra rabiscos vários dos jograis em comandita, poeta verdadeiro e discretamente maior. Confrontado com o seu enigma, na pátria e no texto o ancorou, finalmente decidida, uma vez eliminadas as rasuras e os borrões do discurso que a nós todos pré-existe, a identidade que lhe cabe...

...Solitária, mas insubmissa, se reconhece esta pena, ao termo da jornada empreendida. Nenhuma das frustrações a condenaria, entretanto, à resignação, pois pois que de muito para além do que é a energia lhe cresce. Consciente, como as do fundo da sabedoria, de que 'além de nós um outro/ surge em cada esquina de luz desvirtuada', perguntará 'porque morre um poeta?'. Grita-lhe-ão, em resposta, que por algo que se desvendou, mas que ninguém conhece, para sempre sepultado no entendimento do silêncio, uma vez o limite ultrapassado de a si próprio explicar". Mário Cláudio



Espelhos



Como num espelho da imagem
retrocesso. Imagem não do tempo
mas no tempo. O outro lado
o seu reverso apenas o avesso.
No polido do aço o fio do aço
a imagem polida e frio o espelho.



De Ariana o fio


Ser de Ariana o fio e em labirintos
de mistério esquecer como Teseu
vencido o Minotauro da razão.


Ser de Dionísio aquele amor sereno
por Ariana só e desprezada.
De Teseu a vitória sem traição.


De outros mitos construir a glória
e apenas nas distâncias da memória
ser o fio de Ariana e a paixão.





Fala de Mulei Moluc



Senhor de outros reinos que não deste
teus sonhos nas areias apodrece.
Estás morto. Perdido o império incerto.

Senhor destes reinos vencedor
a vitória me dói e queima. E o deserto.
O esquecimento de mim só não virá
por memória de ti que és encoberto.




Lamento de hoje



Este estar vivo assim é que me mata:
não mais por mar além ou terra fora
naufragado na Costa não da Mina
mas desta pátria triste que só chora
e não descobre outro destino ou sina
terras de Prestes João ou Rio da Prata.





Quinto Império



Por onde nas florestas desbravadas
ou em oceanos índicos pacíficos
sulcados de remotas aventuras
e de sonhos é que perdido andei?


Corpo - espaço de sonho recoberto
por índias e brasís me dispersei.
Novos mundos ao mundo foram dados.
E agora aonde irei?


Com palavras farei um outro império
maior e mais constante
que o amor na palavra nos congraça.
Por elas nos cumprimos nas praias
do Restelo ou de Mombaça.




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